Em seu famoso romance As Vinhas da Ira (Capítulo 25), John Steinbeck descreveu como os alimentos foram destruídos durante a Grande Depressão:
Carradas de laranjas jogadas no chão.
As pessoas percorrem quilômetros para colher o fruto, mas isso não pode ser. Como eles comprariam laranjas se pudessem sair e pegá-las? E homens com mangueiras esguicham querosene nas laranjas… Um milhão de pessoas famintas, precisando da fruta – e querosene borrifado sobre as montanhas douradas.
E o cheiro de podridão enche o país.Queimar café para combustível nos navios… Jogar batatas nos rios e colocar guardas nas margens para impedir que os famintos as pesquem [com redes]. Matar os porcos e enterrá-los...
E as crianças que morrem de pelagra devem morrer porque não se pode tirar lucro de uma laranja. E os legistas devem preencher os atestados – morreu de desnutrição – porque a comida deve ser forçada a apodrecer.
Mais alguns fatos. Somente em 1933, o governo federal comprou 6 milhões de suínos e os destruiu. Grandes quantidades de leite foram despejadas nos esgotos. 25 milhões de acres de plantações (a área de um quadrado com lados de 200 milhas) foram arados. No Brasil, foram destruídas 69 milhões de sacas de café, equivalentes a dois anos de produção. Tudo para manter os preços.
E sobre esta vez 'Round?
A depressão atual parece ser pelo menos tão profunda quanto a da década de 1930, mas ainda está em um estágio inicial. À medida que os salários reais continuarem a cair e as medidas de austeridade forem mais duras, haverá mais declínio na “demanda efetiva”, que é determinada principalmente pela capacidade dos trabalhadores de comprar de volta o que produziram. A queda dos preços e lucros levará então a novas cenas que lembram as retratadas por Steinbeck.
O processo já começou.
Em março de 2010, surgiram relatos de que os produtores de morango da Flórida, diante de um mercado inundado e uma queda acentuada nos preços no atacado, estavam deixando enormes extensões de morango apodrecendo nos campos. A maioria desses agricultores não permitia que as pessoas colhessem frutas para si mesmas. Eles temiam que os pepinos e outras novas colheitas que estavam plantando entre as fileiras pudessem ser prejudicados.
Não só os morangos foram desperdiçados, mas também a água usada para cultivá-los. O cultivo dos morangos desperdiçados drenou as águas subterrâneas e causou escassez de água local.
Demolição de Casas
Houve relatos de destruição de casas em todo os Estados Unidos, muitas delas recém-construídas. A maioria das casas hipotecadas não pode mais ser vendida em leilão, mesmo por preços tão baixos quanto $ 500. Acabam nas mãos de bancos que não veem perspectiva de revendê-los a médio prazo e concluem que a solução mais barata é derrubá-los. Isso acontece não apenas em casas individuais, mas também em ruas inteiras. Em maio de 2009, um banco decidiu demolir um complexo habitacional quase pronto na Califórnia, em vez de gastar as poucas centenas de milhares de dólares necessárias para concluí-lo.
Enquanto isso, as fileiras dos sem-teto continuam crescendo. Eles precisam desesperadamente de moradia, mas não geram “demanda efetiva”.
Cortando roupas e sapatos
No início de janeiro de 2010, o The New York Times publicou uma reportagem sobre duas grandes redes de varejo, H&M e Wal-Mart, jogando fora roupas não vendidas em sacos de lixo. Primeiro, tornam-se inutilizáveis: os funcionários são instruídos a cortar roupas, cortar buracos nos sapatos, cortar as mangas dos casacos, os dedos das luvas, etc.
A resposta a este artigo incluiu depoimentos na internet de ex-funcionários de outras grandes lojas, revelando como essas práticas são difundidas agora.
Cheryl: “Eu trabalhei na Dillards por vários anos. Eles fazem a mesma coisa. A lógica deles era que, se eles doassem [para caridade], as pessoas tentariam trazê-lo de volta para trocá-lo por outras mercadorias”.
Martha: “Sim, eu trabalhava em uma loja onde eles rasgavam os lençóis, cobertores e fronhas se não pudessem vender e depois jogavam fora... eu achava uma burrice. Eu queria pegar e doar, mas não deixaram”.
Nat: “Eu costumava trabalhar para a H&M e odiava cortar as roupas [que] eu sabia que poderíamos dar para quem precisava. Nós destruímos TUDO e eu achei tão estúpido. Foi um desperdício e triste!”
Maryliz: “Isso só me deixa doente. Que terrível, especialmente agora com pessoas morrendo de frio. Eles poderiam ter sido salvos se tivessem roupas quentes suficientes. Que vergonha para as empresas que fazem isso.”
Maggie: “Fiquei tão brava porque meus gerentes não embalavam [comida não vendida] e a levavam para abrigos que eu chamava de sedes corporativas... Eles não deixavam a comida ser doada! Alguns tagarelam sobre como isso desvalorizaria a marca, porque as pessoas iriam para aquele abrigo apenas para comer a comida, em vez de vir e pagar por ela”.
The Vintage
Steinbeck termina o capítulo 25 com a passagem que dá título ao seu livro:
Nos olhos do faminto há uma ira crescente. Nas almas das pessoas, as uvas da ira estão crescendo e crescendo pesadas, crescendo pesadas para a vindima.
Há amplo motivo para ira. Mas a ira não é suficiente. Os gerentes que deixaram Maggie com tanta raiva têm que agir como eles. (Caso contrário, eles não permanecerão como gerentes.) Eles precisam seguir a lógica comercial de maximizar o lucro ou minimizar o prejuízo. A ideia de dar às pessoas o que elas precisam, simplesmente porque elas precisam, é inconsistente com essa lógica. Expressa uma lógica humana diferente, que se manifestará assim que reorganizarmos a sociedade em uma base humana diferente.
O Padrão Socialista, nº 1272, agosto de 2010